sexta-feira, 30 de julho de 2010

O que é que eu faço?


Sempre me emocionou olhar aquelas duas fotografias dela. Ficavam guardadas numa caixa, junto com outras coisinhas. Era do tempo em que ainda revelávamos as fotografias e guardávamos em caixinhas ou em álbuns, ao invés de arquivos digitais.

Me emocionava vê-la tão pequenininha, a luz do sol refletindo no pelinho arrepiado, a carinha de sapeca. Tao pequenininha que cabia na sombra de um vaso do qual pendia uma orquídea lilás.

Só abri aquela caixinha, a das fotos, em momentos cruciais. Ou quando eventualmente mudava de casa ou, ultimamente, num momento de muita dor, no qual, inafastavelmente ela esteve a meu lado, me olhando com aquela carinha expressiva, que dizia tudo sem dizer nada.

Essa noite ela dormiu como sempre em sua caminha, ao lado da minha. O olhinho expressivo sempre me acompanhando. Eu estava carente, a abracei um monte, brinquei com ela, ri porque sempre andava atrás de mim para onde eu fosse, ri porque passou a tarde vigiando um biscoito que nao queria comer mas também nao queria deixar para o outro.

Durante os últimos oito anos, por muitas vezes, pensei que não suportaria as perdas que tive sem ela. Sem a carinha dela me olhando quando perdi o bebê. Sem a companhia serelepe quando fui viver em um país estranho. Sem vê-la sentada em frente à porta, como eu, esperando por alguém que nunca viria.

Hoje ela me deixou... Sem fazer alarde. Acordou cansadinha, a peguei no colo... Me olhou com aquele olhinho pretinho como se me perguntasse o que estava acontecendo. Acho que me esperou chegar para ir de vez, meu filhotinho estava velhinho e cansado. Só pude dizer: o que é que eu faço?

Ainda não sei, porque desde que ela me escolheu, só soube suportar a dor com sua ajuda. E agora, o que é que eu faço?

Minha memória para minha bonequinha será sempre de gratidão e de amor. Teria sido tudo muito mais difícil sem ela, como a partir de agora será.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Música de Hoje: Vidas Inteiras - Adriana Calcanhoto

Não seja por isso
Eu não tenho pressa
Eu posso esperar vidas inteiras
Mas tenha certeza de que lhe interessa
Deixar escapar o ouro do agora
Para que não seja numa tarde dessas
Tarde demais...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Certa Manha Acordei De Sonhos Intranqüilos - Sentimentos sobre o novo CD de Otto

Foi inevitável pra mim desejar escrever depois de ouvir seguidamente quatro vezes esta manha o CD do pernambucano Otto.
Faz algum tempo algo novo nao me agradava e emocionava tanto na música brasileira. N
ã
o tenho aqui nenhuma pretens
ã
o de fazer uma crítica ao CD e suas faixas. Conta apenas o meu sentimento e a decis
ã
o que tomei depois da quarta audiç
ã
o.
Já começa pelo nome do CD, toma emprestado primeira frase do livro A Metamorfose de Kafka.
A primeira faixa, Crua, é a traduç
ã
o da decepç
ã
o, do fim, há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua e continua cruamente a descrever a solidão do fim quando dificilmente se arranca a lembrança de que naquela noite que eu chamei você fudia de noite e de dia, da traiçao, melancólica. Saí cortada, fatiada pelas cordas da introduç
ã
o, rasgada, sangrando.
Na faixa seguinte, Leite, na companhia deliciosa da voz de Céu, a certeza em lamento de que n
ã
o poderia ter dado certo quando diz: quando eu perdi você ganhei a aposta. E outra vez a desilus
ã
o quando num dia assim calado você me mostrou a vida e agora vem dizer pra mim que é despedida. E traduz ainda perfeitamente o sentimento daquele que foi deixado acreditando deixar, quando eu sai da tua vida bati a porta, sai morrendo de medo do desejo de ficar. Fui embora porque era a única coisa digna a se fazer, embora quisesse imensamente ficar.
A quinta faixa, 6 minutos, minha música do dia, traz mais desilusão e luto, com as flores crescendo no canto do quarto escuro, flores de um longo inverno. A tristeza dos sonhos n
ã
o realizados... Isso é pra morrer. Mas como você pode ter ido embora se você me falou de uma casa pequena com uma varanda chamando as crianças pra jantar. Isso é pra viver. Esse trecho, especificamente, me tocou fundo... Só faltou o cachorro correndo no jardim, meu ideal de felicidade.
Na frente do cortejo o meu beijo (...) lágrimas negras saem, caem, doem. Inicia Lágrimas Negras, com Julieta Venegas cantando em português. Sensível, o cortejo de despedida do amor, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento. E a tristeza de Otto nos rendeu a beleza dessa canç
ã
o, beleza acesa, a flor da pele.
Filha, é outra bela canç
ã
o. Triste e emocionante como as demais. Aqui há paz e alegria, antes que você perceba que n
ã
o deu nao deu n
ã
o deu (...) Aqui é festa amor, e a tristeza em minha vida.
Na verdade, você nuca existiu, nunca passou de uma ilusão. E até pra morrer, você tem que existir. E se não existia, decisão incontestável que tomo, acabou-se o luto. Queimarei hoje os vestidos negros, os véus de viuva. É mais que hora de roupas coloridas, de alegria, das flores que vir
ã
o das maos de um novo amor e não nascerão como limo no canto de um quarto escuro.
Pode chegar meu novo amor, estou te esperando. Arrumei a casa, abri todas as janelas e mandei embora a tristeza que morava comigo. Está tudo pronto, na última faixa Agora Sim
, o amor vai me encontrar, vou te levar na praça um dia vai chover muita paz e esmeraldas em cima de você.
Quem disse que o amor n
ã
o vai? Imagem lúdica, passada em preto e branco em minha cabeça.
Enfim, obrigada Otto, pela bela obra. Espero que você, como eu, também possa abandonar o luto e deixar o amor entrar.

Música de Hoje: 6 minutos - Otto



Não precisa falar
Nem saber de mim
E até pra morrer
Você tem que existir

Não precisa falar
Nem saber de mim
E até pra morrer
Você tem que existir

Nasceram flores num canto de um quarto escuro
Mas eu te juro, são flores de um longo inverno
Nasceram flores num canto de um quarto escuro
Mas eu te juro, são flores de um longo inverno

Isso é pra morrer
6 minutos
Instantes acabam a eternidade
Isso é pra viver
Momentos únicos
Bem junto na cama de um quarto de hotel

E você me falou de uma casa pequena
Com uma varanda, chamando as crianças pra jantar

Isso é pra viver
Momentos únicos
Bem junto na cama de um quarto de hotel

D'um quarto de hotel
Num quarto de hotel

Não precisa falar
Nem saber de mim
E até pra morrer
Você tem que existir

Nasceram flores num canto de um quarto escuro
Mas eu te juro, são flores de um longo inverno
Nasceram flores num canto de um quarto escuro
Mas eu te juro meu amor, são flores de um longo inverno

Isso é pra morrer

Você me falou
E eu estava lá e falei

Isso é pra morrer
6 minutos
Instantes acabam a eternidade
Isso é pra viver
Momentos únicos
Bem junto na cama de um quarto de hotel

E você me falou de uma casa pequena
Com uma varanda, chamando as crianças pra jantar

Isso é pra morrer
6 minutos
Instantes acabam a eternidade
Isso é pra viver
Momentos únicos
Bem junto na cama de um quarto de hotel

E você me falou
Num quarto de hotel
Num quarto de hotel