segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Take your time ou o disco novo do Chico ou uma tarde chuvosa em Estocolmo.

O dia aqui em Estocolmo, como de costume cinzento e frio, foi acompanhado por uma insistente e gelada garoa. Pensei em passar o dia em casa, debaixo dos cobertores, na companhia de Issie, uma gata Birma, tão linda quanto preguiçosa.

Lá pelas duas da tarde resolvi tomar um banho quente e sair para caminhar um pouco, talvez comer alguma coisa aqui perto. Vesti as mil camadas de roupa, coloquei o Ipod pra tocar e segui em frente. Acidentalmente, fui parar no novo CD do Chico e, como os piguinhos gelados da chuva que caía em meu rosto, as canções foram me tocando uma a uma, e fui sentindo o meu país entrando por cada poro.

Tinha ouvido pela primeira vez pouco antes de sair do Brasil. Ouvi o início de todas as músicas, me detive em umas duas ou três, e esqueci. Nada me tocou realmente naquele momento e, pensei: um disco praticamente feito para aquela boboca do cabelo cor de abóbora não podia ter mesmo nada de mais.

Mas algo aconteceu nesta tarde fria e, ainda que reconheça que a obra não prima pela originalidade - já que pude reconhecer em muitas das canções referências a outras canções do próprio Chico - o disco é apaixonado, gostoso de ouvir, e tem um gingado brasileiro que fez logo meu andar, antes rígido de frio, tornar-se, de certa maneira, lânguido, sinuoso, por assim dizer.

"Sem você 2" - uma das sensações de deja vu que não dizem respeito apenas ao nome da canção - traduz aquela solidão de quem não é sozinho. Sabe quando seu amor saiu de casa pra almoçar na casa da mãe e você pensa: "Uau! Vou ter tempo de fazer minhas coisas, organizar a gaveta, fazer a depilação?" Mas, passadas duas horas... Quanta saudade... E, em mim, que saudade desse sentimento.

"Sou eu" é uma delícia, e sou eu... Com o perdão do trocadilho, sou aquela moça... Passado o momento confidência, a música me remete a "Deixa a Menina" do próprio Chico. Mas amei o rítmo, o vocal de Diogo Nogueira, o clima de gafieira. Vi o vídeo dos bastidores das gravações no Youtube e o astral entre os dois é galhardo, feliz, o que rendeu um registro tão bom. E quem vai ser o sortudo? Quem leva a moça pra casa? Galhardia, adoro essa palavra. Quase esqueci Estocolmo, e a chuva fina e fria em meu nariz...

"Nina" me lembra um pouco Cecília, do CD as Cidades ou mesmo, na melodia, "A noiva da cidade", que, aliás, é uma das minhas preferidas do Chico... Muitas vezes quis ser Cecília, a noiva da cidade, descuidada, como sou... Queria ele suspirando meu nome em silêncio, sem confundi-lo com qualquer música, pois "nem as sutis melodias merecem, Cecília, teu nome espalhar por aí". Nao falasse a letra sobre um relacionamento virtual e nao remetesse a Moscou, quase tão fria quanto minha doce Estocolmo, eu relevaria as coincidências...

"Barafunda", um sambinha bem Chico Buarque de Mangueira, com referências ao futebol, àquele bom e antigo futebol, de Garrincha e Pelé... Futebol com gingado verde e rosa, de Cartola, com cores e sabores do meu país, lembrando ainda o macho brasileiro safado que nao lembra o nome dela, "e salve este samba antes que o esquecimento baixe o seu manto cinzento".

"Sinhá" achei triste, e triste sem ser bonito... Porque, vocês hão de concordar, tem umas tristezas lindas. O próprio Chico tem umas tristezas lindas de doer, "(...) pelo amor de Deus, nao vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem, nao vê que Deus até fica zangado vendo alguém, abandonado, pelo amor de Deus.(...)" ou "(...) Oh, pedaço de mim, oh, metade apartada de mim, leva o que há de ti, que a saudade dói latejada, é assim como como uma fisgada no membro que já perdi (...)" Mas Sinhá não, é uma tristeza sem ser linda, e aí eu não gosto. Não gostei da melodia, da letra, nem da voz de Chico. Isso, eu que sempre gostei do Chico cantor, não gostei da voz em "Sinhá".

"Querido diário", faixa que abre o CD, tem linda melodia e instrumental. Me remete também a algo que conheco, do próprio Chico. Mas não identifiquei qual música. Me remete ao Chico escritor, descritivo,  canção visual. Posso ver as calçadas do Rio, o carro passando devagar, vendo as pessoas e suas histórias. O mais belo verso do CD está nesta canção "Hoje, afinal, conheci o amor. E era o amor uma obscura trama..." e o mais apropriado para o meu momento "mas eu não quebro não, porque sou macio". Excelente canção.

Gostei também de "Rubato", marchinha interessante, cadenciada, gostosa. Aqueceu meu caminhar.

"Essa pequena", nítidamente foi feita para o amor da terceira idade e a menina boboca do cabelo cor de abóbora. Sim, voce sentiu uma ponta de ciumes nessa declaração. Vou tentar ser imparcial, só que ao contrário. Falando sério, "o blues já valeu a pena". A musica é linda, a letra é charmosa, sensual. É, acho que ele nem sabe mesmo direito o que ela fala, mas isso não importa muito, ao que parece. O verso Take your time, deu tema a esse post, e deu tema a essa minha estadia na cinza Estocolmo. Estou tomando meu tempo.

"Não sei pra que/ outra história de amor esta hora/ porém você diz que está tipo afim/ de se jogar de cara num romance assim/ tipo pra vida inteira". São os versos iniciais de  "Tipo um baião", canção que comeca tímida, como uma baladinha, e explode em festa, em baião, em forró, em carnaval. E me fez chorar. As folhas amarelas caiam de uma grande árvore no caminho, um cenário lindo.  Mas o ritmo me levou lá pra Ladeira da Barra no Carnaval, me levou pro Museu do Ritmo, me levou pra minha Cruz das Almas no São João, me levou pro colo da minha mãe. Vou postar a letra da música em seguida, faz tempo que não posto a música do dia.

E já nao sei se era chuva o que escorria quente em meu rosto, e já nao sei se era frio o que passava em meu coração. Ah, se eu soubesse...

Enfim, tenho que agradecer à boboca do cabelo cor de abóbora por ter inspirado Chico a compor novamente. Lindo registro de amor. E aí, larará, lirirí...