terça-feira, 5 de abril de 2011

Minha vida e as seis vidas que não gerei - Uma história sobre o abortamento de repetição.

Me casei no dia 13 de novembro de 2004. Contava então 26 anos. Meu marido, que eu havia conhecido há um ano e um mês era a personificação do meu príncipe encantado: lindo, educado, doce e me fazia muito feliz. Estávamos muito apaixonados e o dia do nosso casamento foi realmente emocionante. A igreja estava linda, o meu vestido era delicado e romântico e além disso, só me lembro dos olhos dele, encantados, olhando para mim quando a porta se abriu. A orquestra tocava "Vieste", de Ivan Lins, como nos meus melhores sonhos. Sempre quis ser mãe e logo depois que casamos começamos a preparar a gravidez.
Em junho de 2005 engravidei pela primeira vez. Em realidade tive pouco tempo para sentir alegria, no mesmo dia em que peguei o exame Beta HCG, que confirmou a gravidez de poucos dias, comecei a ter um sangramento e no consultório médico me foi dito que estava sofrendo um princípio de aborto. Fui para casa dilacerada, era uma sexta-feira e não saí da cama todo o final de semana, na tentativa de evitar o inevitável, que foi confirmado na segunda-feira, com a repetição do teste de laboratório.
Muita gente dizia que isso era normal, que acontecia muitas vezes numa primeira gestação. O médico me disse que não havia com o que se preocupar, que logo que menstruasse outra vez poderia tentar uma nova gravidez.
Seguimos nossa vida e em agosto do mesmo ano a empresa do meu marido começou a dar muitos prejuízos e ele resolveu fechar. Ele tinha dupla nacionalidade e o sonho de morar fora do país. Eu tinha um bom emprego, mas não hesitei em deixar tudo e seguir o sonho dele. Era o meu homem, meu amor, por quem eu pegaria a casa e colocaria numa sacola, como na canção do Los Hermanos. Lembro de sentar na soleira da varanda de casa chorando enquanto via o caminhão de mudança levar os móveis que nós havíamos escolhido com tanto carinho. Mas lembro também da excitação pelo novo, nós dois em outro país, juntos, inseparáveis.
Em janeiro de 2006 viajamos pra Espanha e nos estabelecemos em Madrid. Alí engravidei pela segunda vez. Com a idéia romântica do que seria a saúde pública em um país de primeiro mundo, sofri meu segundo aborto em uma maca no corredor de um hospital público espanhol, sozinha. Meu marido não faltou ao trabalho naquele dia.
Alí me foi explicado que só se poderia começar a investigar o que estava causando as perdas a partir do terceiro aborto, já que até o segundo, ainda era considerado normal. Para mim a explicação parecia absurda, porque não havia nada de normal em uma mulher sofrer um aborto, normal para mim era engravidar e parir.
Engravidei novamente em março de 2007, mês do meu aniversário, desta vez protegida por um seguro de saúde particular. Sofri minha terceira perda, depois de idas e vindas incessantes a laboratórios e consultórios médicos. A terceira vez foi dolorosa fisicamente, em casa, em um domingo, diante da cara desolada e impotente de meu marido.
Em maio de 2007 decidimos retornar ao Brasil. Eu me sentia frustrada profissionalmente na Espanha e meu marido já não via com olhos tão sonhadores a sua aventura no país de sua segunda nacionalidade. Foi um período muito difícil para os dois. Embora tenhamos conhecido muitos lugares, culturas diferentes, a verdade é que a maior parte do tempo foi de uma rotina muito dura, à qual não estávamos acostumados.
A volta ao Brasil tampouco foi fácil. Não tínhamos conseguido juntar muito dinheiro e eu, particularmente, demorei a me recolocar no mercado de trabalho. Voltei a trabalhar apenas em agosto de 2007. Procuramos então um médico renomado e especialista em reprodução humana para que investigasse finalmente o nosso problema.
O primeiro médico, apenas baseado em um exame de glicemia, identificou que deveria fazer um tratamento indicado a diabéticos, com o uso diário da substância metformina e, segundo ele, com a baixa na glicemia eu poderia engravidar. Fiz o tratamento prescrito e sofri o meu quarto aborto.
Procuramos então outro especialista. Para mim foram pedidos inúmeros e complexos exames. Para ele, exames de rotina e um espermograma. Não havia nada de errado com nossos exames. O médico resolveu então nos pedir que fizéssemos um exame chamado crossmatch que identificaria nossa compatibilidade imunológica. Segundo o médico, a incompatibilidade imunológica era a causa de muitos dos abortamentos de repetição e, o melhor, havia tratamento para isso. Vale dizer que nem o exame nem o tratamento eram cobertos pelo plano de saúde e o custo de ambos era alto para os nossos padrões, mas tínhamos que tentar.
Fizemos o exame numa clínica especializada e o resultado foi positivo. Éramos, segundo o exame, incompatíveis imunologicamente. Se por um lado era ruim ter um problema, por outro lado nos deixou esperançosos detectá-lo e poder tratá-lo da forma adequada.
Nessa ocasião troquei o ginecologista, eu precisava de atenção depois de tantas perdas e o segundo médico não me pareceu muito disponível.
O terceiro médico, uma pessoa dulcíssima, bastante espiritualizada e muito competente, de posse dos exames que havíamos feito, nos encaminhou para o tratamento de imunoterapia com linfócitos, que consistia em aplicar em mim dolorosíssimas doses de uma vacina feita com o soro extraído do sangue do meu marido. Eram necessárias algumas aplicações semanais até que o exame finalmente desse negativo, o que aconteceu após a terceira semana.
Engravidei novamente, logo após o resultado do exame, e mais uma vez sofri a tristeza e a frustração de perder meu bebê.
Todos já estávamos muito estressados com isso. A família sofria, nós sofríamos. Com o tratamento para engravidar e a ansiedade decorrente de tantas perdas, engordei cerca de 20 kg. Nunca tive grandes problemas de autoestima e, fora o problema para engravidar, eu era feliz com meu marido. Ou pelo menos achava que era.
Em dezembro de 2008, especificamente na noite de Natal, enquanto seguíamos com o tratamento para engravidar- já que nos foi explicado que teríamos que seguir com as vacinas e tentar novamente - eu descobri a primeira traição de meu marido. Não consigo colocar em palavras a dor que senti nesse dia. Não era só a traição física, era a traiçao de um projeto inteiro de vida. Entretanto eu o perdoei. Entendia que tudo o que estávamos passando era muito duro, e que um momento de fraqueza poderia acometer qualquer um de nós dois. Para mim, o que tínhamos juntos era maior que tudo.
Em abril de 2009 engravidei pela sexta vez e novamente sofri uma perda. Já não havia muitas explicações por parte dos médicos e era tudo doloroso demais. Já havia começado a pensar em adotar um bebê, mas meu marido me dizia que não conseguiria amar como pai uma criança que não fosse biologicamente seu filho.
No mesmo abril descobri uma nova traição de meu marido. Era 21 de abril, estávamos em casa e eu ainda me recuperava do último trauma. Ele se justificou dizendo que não me amava mais como mulher e que não conseguia ver futuro em nosso relacionamento pelo fato de que eu não poderia lhe dar um filho.
As palavras dele me doeram mais que a traição em si.
Levei dois longos anos para me recuperar do que vivi, para conseguir superar a dor e limpar meu coração das mágoas que me impediam de amar de novo. Nesse período me cuidei muito, iniciei um tratamento com uma nutricionista para perder o peso que ganhei durante o casamento, me apaixonei pela academia e pelo bem estar que provoca uma boa corrida. Fiz novos amigos, vivi momentos inesquecíveis com eles. Me amei, acima de tudo.
Mas havia algo que ainda incomodava. A culpa, o peso de ser uma mulher que não podia gerar. O maior sonho da minha vida sempre foi ter um filho, uma família. Não realizar isso me deixaria para sempre incompleta.
Faz menos de um mês reencontrei meu ex-marido para que formalizássemos nosso divórcio. Não somos amigos, na verdade não ficou nada que justificasse uma amizade entre nós. Foi tudo muito doloroso para que algum sentimento sobrevivesse, nossa relação hoje é como um terreno estressado por tanto uso em que não nasce mais nada. Então não tínhamos muito que conversar.
Nessa ocasião, a da assinatura do divórcio, ele me confessou que sua atual mulher, que tem dois filhos do primeiro casamento, os quais, ao que parece, ele ama como filhos, tinha engravidado e também sofrido um aborto. Ele concluiu, então, que o problema sempre foi dele.
Para ele, pode não ter parecido relevante, mas aquela informação para mim teve um caráter extremamente libertário. Eu não tenho qualquer problema para ser mãe! Me sinto leve e livre finalmente para ter a família dos meus sonhos.
Me intriga que os médicos se comportem de forma um tanto quanto machista, ao centrar as investigações quanto ao abortamento de repetição sempre na mulher, quando é igualmente provável que o homem possa ter um problema. No meu caso, não posso dizer com absoluta certeza, porque nunca engravidei de outro homem, mas me parece que na ausência de identificação de um problema específico com a minha saúde, sofri um erro de diagnóstico que me custou muito sofrimento.
Nos anos em que passei por esse problema muitas vezes recorri à internet para me reconfortar ou me identificar nas histórias vividas por outras mulheres que sofriam do chamado abortamento de repetição ou recorrente. É boa a sensação de não estar sozinha quando você tem um problema que não entende.
Compartilho agora essa experiência para que as mulheres que hoje sofrem com isso incitem seus médicos a investigar profundamente também seus parceiros, esgotando as possibilidades antes de se submeterem a um tratamento doloroso e de resultados incertos.
Espero da próxima vez que falar sobre este assunto, seja para dizer que tudo corre bem com a minha nova gravidez e com a minha nova vida ao lado de um homem que me respeite, ame e mereça, como a mulher completa que eu sou.


6 comentários:

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  2. Kari, eu tenho certeza de que você será uma mãe maravilhosa. Não aconteceu até agora porque você precisa encontrar um parceiro que mereça a mulher "da zorra" que você é.
    Aí sim, vocês formarão aquela família de comercial de margarina - que no fundo, é o que todas nós queremos.
    =]
    Beijo grande.

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  3. Para mi, siempre serás una mujer extraordinaria, dulce, romántica y muy inteligente. Y estoy muy orgulloso de haberme cruzado en tu vida. Te envio un fuerte abrazo y toda mi energía.

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  4. Que Deus a abençoe e você tenha filhos lindos. Demonstra que és uma mulher muito corajosa ao relatar este capítulo da tua História.

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  5. Kari, acho que nós, mulheres, tb temos um pouco desse comportamento machista, e nos sentimos
    culpada por tudo!!
    Ainda não tive a experiencia de casar, não sei se posso ou não ter filhos, mas tive relacionamentos fracassados, nos quais sempre me senti culpada pelo fim deles.
    No dia 30/12/2009, teve um acontecimento muito importante na minha vida... Depois desse dia, me dei conta que meus ex- namorados, para justificar uma sacanagem, traição e até mesmo uma transa ruim, me condenavam pelas atitudes mais simples e inofensivas. E eu de vítima passava ser a algoz! E o pior: eu acreditava nisso!!
    Uma amiga me disse que os homens fazem isso pq é muito difícil para eles reconhecerem um erro, um fracasso, a culpa... talvez sim, não sei...
    Mas nada melhor que o Tempo...Nada melhor que a experiência...
    Vc vai ser uma boa mãe, isso eu sei!!
    Se puder, faça um serviço voluntário com crianças, a espiritualidade vai lhe agradecer!
    Até
    Leti

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  6. Obrigada Leti... Já pensei sobre isso, meu ginecologista, que é espirita, chegou a me sugerir... Ainda não sei se estou preparada... Mas penso sobre isso. E quanto a você, não permita que ninguém a coloque pra baixo, e seja feliz meu bem, vc merece. Bjo!

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