quarta-feira, 17 de março de 2010

Clarice Lispector In Água Viva


Nao, nao se trata de crise criativa. Nao desta vez. É que já disseram por mim. Aliás, Clarice quase sempre diz por mim.

Água viva é especial, visceral, de momento de instrospecçao no sentido de mergulhar dentro de si mesmo e conhecer cada entranha...

Deixo que Clarice diga o que eu quis dizer sobre o que vi aqui dentro. Os homens que me desculpem, meu amigo virtual Guima inclusive - que adora e leu tudo de Clarice - , mas Clarice é sentimento feminino puro.

Acredito inclusive que muitas vezes é aquele estado alterado de consciência que precede à menstruação, no qual muitas vezes saímos de dentro e nos olhamos de fora. E as vezes ficamos perdidas, confusas, nao gostamos do que vemos. Voltamos pra dentro, e então, nos perdemos ainda mais.

Sim, estado alterado de consciência. Nao há outro nome para isso.

Deixo que Clarice diga.

"Fiquei de repente tão aflita que sou capaz de dizer agora fim e acabar o que te escrevo, é mais na base de palavras cegas. Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando.

Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei - assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo de teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. Então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva. O âmago sensível."

C. Lispector, In Água Viva

4 comentários:

  1. Linda Karine, concordo plenamente com vc! Esse mistério de sentimentos "puramente femininos" que aflora nos escritos "clariceanos", são puro arrebate para quem vive e "não tem medo da morte". E é exatamente essa feminilidade, essa entrega, esse transe mágico, esse emaranhado de emoções, dúvidas e certezas que me fascinam e me encantam em "Água Viva". A mulher é o cerne de toda a vida, Deus quis assim...
    Bjs e carinhos!
    Ricardo Guima

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  2. Meu queridíssimo Guima mais uma vez obrigada pela visita. Muitas vezes posto pensando em você, já percebeu? De alguma forma sou sensível a essa presença virtual...
    As vezes, enquanto mulher, me sinto um pouco desconectada do mundo, como se estivesse em outra dimensão... Creio que é o momento que você chama de "transe mágico". Essa intensidade de sentimentos as vezes me é cansativa. Mas Deus também quis assim...

    Muitos beijos!

    Kari

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  3. Clarice Lispector sem dúvida é minha escritora favorita. Seus livros contém uma poesia que escorre das páginas e chega-se a ter a impressão de que nos lambuza as mãos.

    Abraços!

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  4. Ah, vc já ouviu a música do Barão Vermelho "Que o Deus venha"? Constitui a musicação feita por Cazuza e Frejat a partir de trechos de Água Viva.

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